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Nos dias 7 de maio e 4 de junho, realizamos em São Paulo e no Rio de Janeiro, respectivamente, a 9.ª edição do Encontro do Ismart com Educadores (veja fotos aqui). Nos eventos, cujo tema foi “Para Além do Talento Acadêmico”, algumas perguntas direcionadas aos palestrantes não puderam ser respondidas por falta de tempo. Então trazemos agora um pouco mais da palavra de Mozart Neves Ramos, Ricardo Paes de Barros e Tania Paris sobre habilidades socioemocionais.

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Mozart Neves Ramos, diretor de Articulação e Inovação do Instituto Ayrton Senna, ex-secretário de Educação de Pernambuco

Sobre o sistema de avaliação atual, o que acha de um professor dar nota zero para um aluno? Quais as possíveis consequências para este aluno?
Durante 36 anos como professor, eu já tive que dar vários zeros. Na prática, você pode ter vários instrumentos de avaliação, deve estabelecer regras claras para todos e dizer com clareza aquilo que espera de cada um deles do ponto de vista de aprendizagem. Quando avalio um aluno, a participação pode pesar na avaliação, mas se estabeleço a prova como forma de avaliação, passa pela ética dar a nota merecida. Se não o fizesse, não estaria sendo justo com o aluno, comigo e com os demais. Se fosse o caso de um zero, chamava o aluno e procurava saber o que havia acontecido, o porquê daquela nota e como poderia ajudá-lo a superar aquela situação. Acreditava nele, me colocava à disposição, dava lista de exercícios, temas para ler. Tudo isso para não o desmotivar em relação à matéria e às aulas. Muitas vezes conseguia um verdadeiro milagre. Muitas vezes a nota zero era uma oportunidade de crescer junto com o aluno e levá-lo a outro patamar.

Você apoiaria a implementação de matérias nas grades curriculares sobre o desenvolvimento das habilidades socioemocionais com direcionamento para a vida pessoal e profissional?
Não acreditamos nem defendemos a criação de disciplinas especificamente voltadas para o desenvolvimento socioemocional. Não é uma questão de disciplinas, mas de habilidades que precisam ser desenvolvidas de forma integrada e transversal ao currículo, trabalhadas ao longo de todas as disciplinas. No projeto desenvolvido pelo Instituto Ayrton Senna no Rio de Janeiro, desenvolvemos as habilidades, formando primeiro professores e depois os alunos, mas não criamos as disciplinas.

A nossa escola do século 21 está preparada, adequada e atualizada para as demandas dos estudantes de hoje?
Na minha visão, hoje temos uma escola do século 19, professores do século 20 e alunos do século 21. Se você comparar fotos de escolas do século 19 com as atuais, a maior diferença será a cor da lousa. A escola atual se organiza de maneira muito similar às antigas do ponto de vista do ambiente de aprendizagem. A escola deve ser mais flexível do ponto de vista organizacional e precisa também estar conectada. A internet banda larga de hoje é o lápis do século 19, um instrumento necessário para que os alunos possam se desenvolver. Nesse contexto, o professor deve assumir um papel mais amplo que o de simples repassador de conhecimento. Afinal, a informação está em todo lugar e não só mais com ele, por isso deve ser um tutor com senso crítico para qualificar essa informação e motivar os alunos.

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Tânia Paris, presidente da Associação pela Saúde Emocional de Crianças (Asec)

Como conduzir o apoio socioemocional na prática diária?
É importante estar atento aos sentimentos dos alunos e validá-los como naturais. Isso não significa endossar comportamentos inadequados, mas acolher o momento difícil pelo qual o aluno pode estar passando e oferecer ajuda para buscar alternativas para que ele supere a dificuldade. É importante também não apresentar soluções prontas, mas ajudá-lo a pensar e a julgar as consequências de suas opções, demonstrando que confia que é ele quem saberá o que é melhor para ele. E ao notar progressos, pontuar que notou, de forma a estimulá-lo.

Quais as formas para motivar professores que estão muito acomodados e que não acreditam que podemos avançar mais na educação e que muitas vezes são desvalorizados?
Acredito que se um professor se sente desvalorizado e se acomoda, de alguma forma ele se torna conivente com a situação que gostaria de combater. Não desconsideramos que há muito a ser melhorado no sistema como um todo, mas há também um universo dentro das quatro paredes de uma sala de aula; há muito que o professor pode fazer para que sua turma seja impactada apenas pela ação e pela atitude dele. Esse resgate, do significado do papel do professor, é algo que pode ser promovido por ele mesmo, desde que ele acredite na diferença que pode fazer. São inúmeros os casos relatados por alunos sobre a influência de um professor em suas decisões de vida – e notamos que os fatores decisivos são, quase sempre, a demonstração de confiança no aluno, o estímulo, o apoio.

Como melhorar as relações interpessoais entre todos os atores da escola?
Existe um conceito que a Associação pela Saúde Emocional de Crianças (Asec) chama de “Escola Acolhedora”, que consiste num projeto que precisa pertencer à direção da escola. Para implementá-lo, inicia-se com a sensibilização do corpo diretivo da escola para as questões de ambiência e, a partir do desejo de transformar a escola num espaço emocionalmente positivo, iniciam-se reuniões para definir ações que, à medida que são implementadas, promovem o engajamento gradativo dos diversos atores, geralmente iniciando pelos professores, depois os alunos e em seguida a comunidade. Acreditamos que a sensibilidade e o exemplo provido pelas atitudes da direção têm um papel essencial para contagiar o grupo como um todo e espalhar-se bem além dos muros da escola.

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Ricardo Paes de Barros, economista-chefe do Instituto Ayrton Senna e professor do Insper

No contexto das habilidades socioemocionais, quais seriam as ferramentas mais indicadas atualmente para sua “melhor” avaliação?
Existem dezenas de ferramentas muito bem construídas e com evidências de robustez. No entanto, a ciência vem trabalhando duro para aprimorar essas ferramentas, pois a natureza do fenômeno psicológico torna a medida psicológica um grande desafio. Existem mais de 200 habilidades* descritas pela ciência, que apresentam atributos muito diferentes, por isso cada ferramenta deve ser específica dependendo da habilidade a ser medida, das características do aluno que será submetido à avaliação (idade, escolaridade), do objetivo da avaliação, entre outros fatores.

* Bialik, M., Bogan, M., Fadel, C., & Horvathova, M. (2015, February). Character education for the 21st century: What should students learn? Boston, MA: Center for Curriculum Redesign. Retrieved from: curriculumredesign.org.

Existe uma disciplina na formação acadêmica dos professores que ensine e estimule o docente a desenvolver habilidades socioemocionais nos alunos?
Pelo que sabemos até então, não existe uma disciplina voltada para o desenvolvimento de habilidades socioemocionais nos currículos de Pedagogia das universidades brasileiras. Muito do que os professores sabem sobre habilidades socioemocionais parece ter sido desenvolvido em outros momentos da formação deste profissional, ou mesmo da sua experiência no dia a dia em sala de aula.